Teresina / PI - sexta-feira, 19 de abril de 2024

Notícias HIV

Governo defende reprodução planejada de soropositivos

Documento estimula sexo desprotegido no dia fértil da mulher, para diminuir risco

Segundo informações do Ministério da Saúde, quase 3.000 mulheres com o vírus da Aids, em tratamento, engravidaram em 2008

O Ministério da Saúde elabora um documento em que estimula soropositivos interessados em ter filhos a fazer sexo desprotegido, em datas e condições clínicas específicas.
O documento inclui estratégias de redução de risco de transmissão do vírus, em um contexto onde a maioria dessas pessoas não tem acesso a tratamentos de reprodução assistida para tentar engravidar.
"Em 2008, quase 3.000 mulheres soropositivas engravidaram e a maioria estava em tratamento com antirretroviral. Elas poderiam ter sido orientadas a se expor apenas no período fértil", diz Andrea da Silveira Rossi, consultora técnica do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do ministério.
Segundo Rossi, se o casal planejar a gravidez na melhor fase clínica do tratamento da Aids, os riscos de transmissão do vírus são muito menores.
Isso inclui estar com a carga viral indetectável e o CD4 (células de defesa) elevado, não ter outras doenças crônicas associadas, não ter infecções do trato genital (como outras doenças sexualmente transmissíveis) e planejar a relação para a data exata do período fértil.
A estratégia não elimina o risco de transmissão do vírus, mas o reduz muito, segundo Rossi.
Após a relação desprotegida, o documento recomenda que o parceiro sem HIV tome os antirretrovirais como prevenção.
O protocolo dirá também que, se a mulher for soropositiva, ela deverá continuar tomando o antirretroviral durante a gestação, e o bebê também tomará a droga no primeiro mês de vida. A criança não poderá ser amamentada.
O número de grávidas com HIV é cada vez maior, diz Rossi: "Esse assunto é pouco discutido. Temos que orientar os casais que não têm acesso às técnicas de reprodução assistida sobre formas de engravidar".
"Em termos de porcentagem de chance de contaminação [cerca de 2%], pode ser aceitável a gravidez natural. Mas se considerarmos a doença, acho que não", diz Eduardo Pandolfi Passos, vice-presidente da Sociedade Latino-Americana de Reprodução Assistida.
"Relações desprotegidas são contraindicadas. Em alguns casos, o risco de contaminação chega a 4%", diz Waldemar de Carvalho, coordenador o Centro de Reprodução Assistida em Situações Especiais da Faculdade de Medicina do ABC.
Já o infectologista Caio Rosenthal, do Emílio Ribas, diz: "Estudos sugerem que a contaminação, nos casos em que a carga viral é indetectável, é menor do que se pensava. Com a orientação certa e conhecendo os riscos, [a gravidez] é questão da autonomia do casal".

OMS
A OMS aborda o tema desde 2006. O documento, porém, cita a redução de riscos (sexo sem camisinha) para casais em que ambos têm o vírus. No caso de a mulher ser HIV positivo e o homem não, a OMS recomenda a autoinseminação. No caso de o homem ter a doença, a OMS sugere reprodução assistida.
"A maioria dos pacientes não pode pagar por reprodução assistida. Com certeza vamos receber críticas, mas as orientações são individualizadas. Falamos em redução de risco, não em eliminação", diz Rossi.
Para ela, as políticas de redução de risco estão desatualizadas: "O foco dos serviços que tratam soropositivos ainda é a prevenção e o uso de preservativos. Mas, essas pessoas estão vivendo mais e o desejo de reprodução está mais intenso".

 

Cresce reprodução assistida para casais com HIV

 

Um dos poucos centros especializados em reprodução assistida para casais soropositivos ou sorodiscordantes (quando só um é portador do HIV), a Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo, vem registrando aumento de 10% ao ano na procura pelos procedimentos. Na grande maioria dos casos, só o homem está infectado.
"De 2006 a 2008 vimos um "boom" na procura", diz Waldemar de Carvalho, coordenador do Centro de Reprodução Assistida em Situações Especias da instituição. Segundo Caio Parente Barbosa, responsável pela disciplina de ginecologia e obstetrícia da faculdade, já foram feitos mais de 300 procedimentos do tipo desde 2006 -hoje são de 20 a 25 por mês.
Desde abril, uma parceria da faculdade com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo está oferecendo esse serviço na rede pública. "Hoje, o soropositivo tem uma sobrevida maior e tem direito à concepção segura", diz Maria Clara Gianna, coordenadora do programa estadual DST/Aids.
Quando o homem é portador do HIV, a técnica indicada é a lavagem de esperma. Em clínicas particulares, o tratamento custa em torno de R$ 15 mil.
"A procura é maior do que há cinco anos", diz Edson Borges, da clínica Fertility. Para Arnaldo Cambiaghi, especialista em medicina reprodutiva, a demanda também tem crescido. "Há mais conscientização."
"Vários lugares do mundo usam essa técnica e os resultados são positivos", diz Eduardo Pandolfi Passos, vice-presidente da Sociedade Latino-Americana de Reprodução Assistida.
"O tratamento avançado e a segurança do procedimento têm feito muitos casais buscarem ajuda para ter filhos. E eles têm direito como qualquer outro casal", diz Mario Scheffer, presidente da ONG Pela Vidda.

FONTE: Folha de São Paulo, 04/05/2010